terça-feira, 21 de junho de 2011

A DIVINA COMÉDIA


Eu já havia lido A DIVINA COMÉDIA há muito tempo e por conta de um trabalho atual, acabei tendo de revisitar a obra. Cheguei a conclusão que este é um livro melhor aproveitado na vida adulta. Tem um bocado de coisas que não havia compreendido antes e que se tornam claras agora. A grande obra de Dante Alighieri não necessita recomendações, já é consagrada na literatura clássica como uma obra imortal e obrigatória para os que apreciam a boa literatura. Dante tornou-se órfão de pai e a mãe o abandonou logo após ter nascido, em Florença, em 1265. Criado por parentes, imaginativo e místico, já aos 9 anos de idade se apaixonou pela musa de sua obra, uma mulher casada: Beatriz. Poucas vezes a viu, e ela certamente nunca imaginou que seria lembrada através dos séculos pelos poemas de Dante. Aos 30 anos, passou a tomar parte na intensa vida política de sua cidade, e em 1300, o poeta foi preso por forças invasoras, pela acusação falsa de corrupção, e exilado. Um decreto de 1302 o condenava a ser queimado vivo se voltasse e fosse preso novamente. Enquanto isso, casou-se com Gemma Donati, com quem teve 3 filhos (deu à menina o nome de Beatriz), mas logo enviuvou. A Comédia (o título "divina" foi acrescentado mais tarde, pelos cultores de sua obra) foi composta durante as andanças do exílio. (Em 1315, Florença promovera uma anistia geral, mas Dante se recusara a voltar por não ter sido declarada sua inocência das acusações que lhe haviam feito). O belo poema em três parte ("O Inferno", "O Purgatório" e "O Paraíso") foi concluído em 1321, pouco antes da morte de Dante em Ravena. Esta acabou se tornando a grande obra literária que vai da queda do Império Romano ao início da Renascença, dando à Idade Média um instante de glória final. Transcrevo embaixo o Canto 1 da obra para os que ficaram curiosos:






CANTO 1






No meio do caminho de nossa vida, me encontrei em uma selva escura, por me haver desviado do rumo certo. Bem penoso seria dizer quanto era selvagem, rude e espessa aquela selva, cuja recordação traz o medo de volta! Medo tão forte que quase supera o da morte! Para contar, no entanto, o bem que ali encontrei, falarei das outras coisas que vi. Como ali fui parar não sei dizer, tal o sono que me dominava quando abandonei o caminho certo. Depois, porém, que cheguei ao sopé de uma colina, onde terminava aquele vale que me enchera de medo o coração, olhei para o alto e vi a sua encosta já vestida com os raios do astro que nos conduz com segurança por todos os caminhos. Diminuiu, então, um pouco, o medo que enchera o lago do meu coração durante aquela noite angustiosa. E, como aquele que, ofegante, saindo do mar para ganhar a praia, se volta para as perigosas ondas e as contempla, assim o meu espírito, ainda fugitivo, se voltou para contemplar a passagem jamais atravessada por um ser vivo. Após descansar um pouco o corpo exausto, continuei a caminhar pela praia deserta, pisando com mais firmeza com o pé que estava mais embaixo.



E eis que no começo da ladeira surgiu, diante de mim, uma pantera*, ágil, rápida de movimentos e mosqueada. Não se afastava de minha vista, e sim de tal modo interceptava o meu caminho, que muitas vezes tive de voltar-me para retroceder. O dia despontava e o sol subia, rodeado pelas estrelas que com ele estavam quando o amor divino imprimiu a todas as coisas o primeiro movimento. Uma hora e uma estação tão aprazíveis deram-me motivo para ver um bom augúrio naquela fera de pele mosqueada. Não tanto, porém, que não me infundisse terror o aspecto de um leão* que, por sua vez, apareceu depois. Ele parecia investir contra mim, de cabeça erguida e tão faminto, que o próprio ar se agitava, temeroso. Ao leão seguiu-se a loba*, que, enfraquecida, queria saciar-se; loba que obrigou muita gente a viver miseravelmente. Tal angústia me causou o fogo que saía de seus olhos, que perdi a esperança de alcançar o cume. E assim como quem chora tendo a alma inteiramente perdida, assim, vindo ao meu encontro, me fez padecer aquela besta. Enquanto eu retrocedia rumo ao vale, se apresentou ante meus olhos alguém que, por seu silêncio, parecia mudo. E, ao ver-me naquele ermo, lhe gritei:



- Tem piedade de mim, quem quer que sejas, sombra ou homem como os demais!



- Homem já não sou - respondeu ele -, mas já fui, e meus pais foram lombardos, ambos tiveram Mântua por pátria. Nasci sob Júlio Cesar, embora um tanto tarde, e vi a Roma de Augusto, na época dos deuses falsos. Fui poeta, e cantei aquele nobre filho de Anquises* que veio de Tróia depois do incêndio da soberba Ílion. Por que, porém, tanto te afliges? Por que sobes ao tranqüilo monte, que é causa e princípio de todo gozo?



- Acaso és tu Virgílio? - repliquei inclinando-me. - Acaso és aquele manancial que derramava tão larga torrente de eloqüência? Ó honra e luz para os outros poetas, valham-me perante ti o prolongado estudo e o grande amor com que compulsei a tua obra. És o meu mestre, o meu autor preferido. És o único cujo estilo perfeito eu imitei. Olha esta fera diante da qual eu recuava; livra-me dela, ó consumado sábio, eis que, ao seu aspecto, o meu sangue se agita e bate com excessiva força no meu pulso.



- Convém seguires outra rota - ele me respondeu, vendo-me em pranto -, se queres fugir deste lugar selvagem, porque esta fera que te faz lamentares desse modo não deixa passar ninguém por seu caminho, mas se opõe, matando todos os que por ali se atrevem. O seu espírito é tão cruel e tão voraz, que, depois de devorar, sente mais fome do que antes. Muitos são os animais aos quais se junta, e serão muitos mais, até que venha o cão de caça* que a fará morrer com sofrimento. Este não se alimentará de terra ou podridão, e sim de sabedoria, de amor e de virtude, e a sua pátria estará entre Feltro e Feltro. Será a salvação da amada Itália, pela qual morreram a virgem Camila, Euríalo, Turno e Niso. Perseguirá a loba de cidade em cidade, até que tenha atirado ao Inferno, de onde outrora a inveja a retirou.



- Ouve o que te digo: segue-me; serei teu guia e daqui te tirarei, para levar-te a um lugar eterno, onde ouvirás gemidos desesperados; verás os espíritos dos condenados que gritam pedindo uma segunda morte; depois verás os que, alegrem entre as chamas, esperam, quando chegar a sua vez, ocupar um lugar entre os bem-aventurados. Se até estes quiseres subir, acompanhar-te-á nessa viagem uma alma mais digna do que eu, quando eu partir. Eis que aquele que reina lá em cima não quer que eu conduza quem quer que seja à sua cidade, já que fui rebelde à sua lei. Em toda parte ele impera e tudo rege. Feliz aquele escolhido para entrar na cidade do seu reino!



E eu lhe disse:



- Poeta, eu te imploro, pelo Deus que não conheceste, que me livres deste mal e de outro ainda pior, e me conduzas aonde disseste, para que eu veja a porta de São Pedro e aqueles condenados, como dizes.



Ele se pôs a andar, então, e eu o segui.






* A pantera simboliza a luxúria. Representa também Florença, que expulso Dante.



* O leão é o símbolo da soberba.



* A loba simboliza a cobiça.



* Enéias era o filho de Anquises, personagem da Eneida de Virgílio.



* O cão de caça é o inimigo natural da loba.







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